sexta-feira, 16 de março de 2018

Possibilidades eclesiâsticas e individuais frente à violência


Transcrevo parte de diálogos travados em minha LT no Facebook, a propósito do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro.

Pergunta
"pastor como o irmão sugere que a igreja não seja omissa. Já que não conseguimos impedir que qualquer indivíduo tome uma decisão terrível de tirar a vida de alguém. A atuação da igreja local que participo trabalha na formação das crianças como uma possibilidade de alguém que possa se relacionar de forma compassiva com os outros."

Minha resposta
"Penso que a igreja pode deixar de omitir-se:

1. Revendo sua teologia de evangelização colocando o foco na restauração da comunhão do ser humano com Deus em Jesus, cujos efeitos são presentes e futuros e não apenas futuros: salvação do inferno e povoação do céu;

2. Aprofundando um ensino de ética bíblica que não foque somente na ética corporal e familiar, mas também na econômica e política;

3. Reconhecendo a pluralidade de pensamentos sobre formas de atuar neste mundo, dentro de sua membrezia, mas reafirmando Jesus como luz do mundo, como parâmetro para nossas ações como cristãos no mundo. 

Não creio que a instituição igreja deva aliar-se a um partido ou uma ideologia, mas alimentar seu compromisso com a ética do Reino de Deus tal qual manifesta na vida e ensinos de Jesus. 

Penso que essa é uma boa trilha."

Pergunta
 "Qual a sugestão?" (Diante da violência do quadro de violência instalado no país)

Minha resposta
 "Sugiro pra mim, como começo, o que sugeri anteriormente: uma revisão na teologia da evangelização, nos enfoques éticos e no parâmetro norteador do meu comportamento prático;

Sugiro também pra mim, romper com o silêncio. O silêncio é a postura política mais covarde pra quem o usa e encorajadora pra quem pratica o crime. Para romper com o silêncio não é preciso ter uma solução ou ser um técnico-especialista no problema; basta ser empatico, sentir uma dor e expressar o sentimento, seja nas rodas de amigo, nas redes sociais, nos grupos de oração ou mesmo indo às ruas em manifestações coletivas;

Sugiro ainda pra mim, que tenha consciência de que tanto o meu silêncio quanto o meu discurso serão eloquentemente político. Por isso, preciso que esteja claro em minha mente a quem meu silêncio ou meu discurso beneficia eleitoralmente: os que estão alimentando e usufruindo do quadro de injustiça social que impera no país ou os que estão nascendo e sendo abortados precocemente pelo sistema ou quando sobrevivem, experimentam o inferno durante toda a vida;

Sugiro finalmente pra mim que reconheça que, embora não disponha dos recursos financeiros desejáveis pra ter as condições de vida possíveis, em termos de habitação, transporte, saúde, lazer, etc, já superei a linha da miséria há muito. Portanto, em vez de pisar - com meu silêncio ou meu discurso - nos quase 50 milhões de brasileiros que vivem abaixo dessa linha, com menos de 400 reais por MÊS, que eu denuncie aqueles que recebem pra lá de 4, 5, 6 vezes ou mais do que 400 reais por DIA, por caminhos corruptos ou amparados por leis injustas.

Pra mim, é o que tenho sugerido, ciente dos prejuizos que essa postura acarreta por parte de quem, muita vez canta hinos a Jesus dominicalmente em igreja, mas perdeu de longe a sensibilidade, a compaixão pela dor do outro.

Mas, como disse, tenho sugerido isso pra mim..."

terça-feira, 13 de março de 2018

O igualitarismo na mentalidade ética hebraica

Aqui em minha rede, estudando os característicos da mentalidade hebraica, tópico da disciplina Ética Cristã que estou ministrando no SEC,  deparo-me com esta pérola de Jó:

“Se neguei justiça aos meus servos e servas, quando reclamaram contra mim, que farei quando Deus me confrontar? Que responderei quando chamado a prestar contas? Aquele que me fez no ventre materno não os fez também? Não foi ele que nos formou, a mim e a eles, no interior de nossas mães?”
‭‭
Se não atendi os desejos do pobre, ou se fatiguei os olhos da viúva, se comi meu pão sozinho, sem compartilhá-lo com o órfão, sendo que desde a minha juventude o criei como se fosse seu pai, e desde o nascimento guiei a viúva; se vi alguém morrendo por falta de roupa, ou um necessitado sem cobertor, e o seu coração não me abençoou porque o aqueci com a lã de minhas ovelhas, se levantei a mão contra o órfão, ciente da minha influência no tribunal, que o meu braço descaia do ombro e se quebre nas juntas.”
‭‭(Jó‬ ‭31:13-22‬)

Esse texto não está em nossa "caixinha de promessas" porque faria parte da "caixinha de compromissos" e nós queremos ser lembrados  dos compromissos de Deus para conosco e não dos nossos para com Deus.

Ps.: no texto de Jó o que fundamenta nossa busca por justiça e nossa ajuda ao próximo não é um ato de caridade de nossa parte, mas o reconhecimento de que todos somos imagem e semelhança de Deus e assim devemos nos tratar.

domingo, 11 de março de 2018

Escolhas, caminhos e consequências


Nossos caminhos são nossos caminhos. Os caminhos de Deus são os caminhos de Deus. Jamais conseguiremos fazer Deus trilhar por nossos caminhos. Deus - assim demonstram fartos textos da literatura bíblica - não nos obriga a trilhar por seus caminhos.

Deus quer que trilhemos por seus caminhos, mas respeita as escolhas que fazemos e os caminhos pelos quais trilhamos. Se assim não fosse, perderíamos um dos, talvez, principais diferenciais humanos: a liberdade, a capacidade de fazer escolhas refletidas, considerando-se passado, presente e futuro.

Conquanto respeite nossas escolhas, por seu amor nos alerta das consequências que os rumos tomados, que os caminhos escolhidos, podem produzir em nossa existência. Daí as palavras do profeta Jeremias:

"Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor. Ele será como um arbusto no deserto; não verá quando vier algum bem. Habitará nos lugares áridos do deserto, numa terra salgada onde não vive ninguém. “Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está. Ele será como uma árvore plantada junto às águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Ela não temerá quando chegar o calor, porque as suas folhas estão sempre verdes; não ficará ansiosa no ano da seca nem deixará de dar fruto”.” (Jeremias‬ ‭17:5-8‬)

Isso não é coação, muito menos promessas falsas, mas um alerta sobre as consequências das escolhas irrefletidas que fazemos. Ele nos alerta por querer nosso bem. Tanto é que, quando estamos no caminho errado ele usa meios para nos alertar. 

Mas nós, em nossa insensibilidade espiritual, em nosso falso conforto produzido por ambientes, conhecimentos ou circunstâncias aparentemente seguros, seguimos pelos caminhos escolhidos, sem nos darmos ao cuidado de pelo menos perguntar: estamos no caminho certo? Este caminho se parece com os caminhos que Deus escolheria? Nem sempre. Na maioria das vezes simplesmente nada perguntamos. Não colocamos um mínimo de dúvida sobre as escolhas que estamos fazendo. Não paramos para orar, refletir, rever os planos...

E Deus continua com seus convites, com suas constatações seguidas de palavras de ânimo que servem de alerta: ““Venham, todos vocês que estão com sede, venham às águas; e vocês que não possuem dinheiro algum, venham, comprem e comam! Venham, comprem vinho e leite sem dinheiro e sem custo. Por que gastar dinheiro naquilo que não é pão, e o seu trabalho árduo naquilo que não satisfaz? Escutem, escutem-me, e comam o que é bom, e a alma de vocês se deliciará com a mais fina refeição. Deem-me ouvidos e venham a mim; ouçam-me, para que sua alma viva. Farei uma aliança eterna com vocês, minha fidelidade prometida a Davi."

E continua:

"Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo; clamem por ele enquanto está perto. Que o ímpio abandone o seu caminho; e o homem mau, os seus pensamentos. Volte-se ele para o Senhor, que terá misericórdia dele; volte-se para o nosso Deus, pois ele dá de bom grado o seu perdão. “Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”, declara o Senhor. “Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos; e os meus pensamentos, mais altos do que os seus pensamentos. Assim como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para eles sem regarem a terra e fazerem-na brotar e florescer, para ela produzir semente para o semeador e pão para o que come, assim também ocorre com a palavra que sai da minha boca: ela não voltará para mim vazia, mas fará o que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei. Vocês sairão em júbilo e serão conduzidos em paz; os montes e colinas irromperão em canto diante de vocês, e todas as árvores do campo baterão palmas. No lugar do espinheiro crescerá o pinheiro, e em vez de roseiras bravas crescerá a murta. Isso resultará em renome para o Senhor, para sinal eterno, que não será destruído.”” (Isaías‬ ‭55:1-3, 6-13‬)

Porém , por não darmos ouvidos e nos firmarmos em ambientes, conhecimentos e estruturas "aparentemente" sólidos, seguimos por caminhos errados e, quando paramos para ouvir a voz de Deus a situação está tão desesperadora que tudo o que ouvimos é: "Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que são enviados a você! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram!” (Lucas‬ ‭13:34‬)

Sim, todos nós nos enganamos. Todos tomamos decisões equivocadas. Uma coisa, porém, é fazer escolhas erradas por limitação de percepção; outra, por insensibilidade ou maldade espiritual. E isso, só cada um pode dizer por si. Ninguém pode julgar o outro.

Como estão nossas escolhas? De que qualidade é o piso por onde estão caminhando nossos pés? Na caminhada temos parado para refletir sobre os próprios caminhos, sobre as escolhas feitas? Ou temos preferido simplesmente desprezar a voz de Deus e seguir desorientados espiritualmente? Por que não parar agora, rever a vida, buscar orientação de Deus em oração, refletir nas palavras dele ouvidas por tantos nas Escrituras e reorientar os rumos? Este é o tempo, essa, uma oportunidade. Aproveite!

domingo, 4 de março de 2018

O que está dizendo através do que não disse. (A propósito do último texto de Lira Neto na Folha de São Paulo)


Da boca do Dr. Merval Rosa, meu professor de Hermêutica e Psicologia Pastoral no STBNB, ouvi pela primeira vez que devemos aprender a ouvir o que uma pessoa está dizendo através do que ela não disse.

Sabendo que Lira Neto estaria escrevendo hoje seu último texto como colunista da Folha, POR DECISÃO DA PRÓPRIA FOLHA E NÃO DELE, fiquei curioso por saber o que ele "escreveria" através do que "não escreveu", afinal, nem ele, nem a Folha, explicaram as razões.

É que, do jeito que as coisas andam, inclusive numa denominação que já se orgulhou de ser conhecida pela defesa  da liberdade de pensamento e de crença, as palavras de Jesus estão voltando à moda:“a quem tem será dado, e este terá em grande quantidade. De quem não tem, até o que tem lhe será tirado. Por essa razão eu lhes falo por parábolas: “ ‘Porque vendo, eles não veem e, ouvindo, não ouvem nem entendem’." (Mateus‬ ‭13:12-13)

Tenhamos, pois, a capacidade de ler e ouvir através do que não está escrito e dito, se quisermos "ter" conhecimento do que acontece ao nosso redor.

xxx

Insurgência dos vaga-lumes

Em vez de optar pela desesperança, há quem continue a apostar na rebelião do pensamento

Imagine um livro denso sobre a obra e o pensamento de Franz Kafka que, para ser lido, exija o trabalho prévio de desatarraxar com chave de fenda dois pequenos parafusos enferrujados trespassando todas as páginas, desde a capa até a contracapa.

Ou um volume que, a propósito de falar de insurreições e revoltas de rua, tenha a extremidade das folhas chamuscadas, exemplar a exemplar, e por isso recenda levemente a papel queimado.

Ou, ainda, uma brochura sobre o inferno do sistema prisional, com as costuras da lombada à vista, acondicionada dentro de um marmitex de papel alumínio, simulando uma quentinha.

Tais ousadias gráficas, que dessacralizam o formato livro e ao mesmo tempo convertem tais publicações em objetos de arte, constituem apenas um dos muitos aspectos instigantes dos títulos lançados por uma editora alternativa paulistana, de catálogo tão enxuto quanto insubmisso às convenções do mercado.

Para além do artesanato e dos experimentalismos materiais que nos atiçam os sentidos, o portfólio da n-1 edições impressiona pelo espírito transgressivo de sua proposta editorial. Não são livros destinados ao mero deleite, à leitura de puro entretenimento. Foram escritos, de modo deliberado, para ferroar consciências.

"A ideia é oferecer pontos de vista que ponham em xeque a perspectiva da razão ocidental, branca, masculina, heteronormativa, eurocêntrica", explica o filósofo, professor e tradutor Peter Pál Pelbart, que dirige a editora ao lado do sócio, o produtor cultural Ricardo Muniz Fernandes. "Queremos suscitar alteridades e insurreições de pensamento, por meio da propagação de vozes plurais que sejam minoritárias, quase inaudíveis."

Desde o primeiro lançamento, "Máquina Kafka", de Félix Guattari, em 2011, até os títulos mais recentes, como "As Existências Mínimas", de David Lapoujade, a n-1 investe em uma linha transdisciplinar que abarca da antropologia à estética, do teatro à filosofia, da política à literatura. Mas sempre trabalhando nos interstícios do mercado, na tentativa de promover fissuras em relação aos discursos hegemônicos.



O filósofo camaronense Achille Mbembe, com "Crítica da Razão Negra", e a americana Judith Butler, com "Corpos que Contam", figuram entre os próximos lançamentos. Autores brasileiros, como Eduardo Viveiros de Castro ("Metafísicas Canibais"), Suely Rolnik ("A Hora da Micropolítica") e Vladimir Safatle ("Quando as Ruas Queimam: Manifesto pela Emergência"), também estão no catálogo.

"Resolvemos publicar esse tipo de livro diante de nossa insatisfação com a maneira rasa de pensar que tomou conta do mercado editorial", comenta Pelbart. "Queremos ativar sensibilidades, promover a potência do pensamento complexo, buscar afinidades com movimentos já em curso."

Tamanho arrojo gráfico-editorial esbarra nas óbvias limitações mercadológicas relativas a esse tipo de produção. Para tentar prosseguir sustentável, a editora instituiu recentemente uma espécie de financiamento coletivo.

Por meio de pequena quantia mensal, o interessado recebe em casa publicações do catálogo, incluindo os impetuosos folhetos da série intitulada "Pandemia", feitos para serem repassados de mão em mão, produzindo o efeito de contágio.

Questionado sobre se, ante o recrudescimento da onda conservadora, é possível sobreviver à custa de uma tática que ele próprio define como "guerrilha editorial", Pelbart responde parafraseando um trecho de "A Sobrevivência dos Vaga-lumes", do francês Georges Didi-Huberman.

"A dança dos vaga-lumes se efetua justamente no meio das trevas", diz, com voz tranquila e pausada. "Quanto mais pesada é a penumbra, mais somos capazes de captar as insurgências do mínimo clarão, perceber os lampejos fugidios e nômades no meio do escuro."

Bom saber que, em vez de optar pelo lamento quase geral de desesperança ou pela rendição cínica ao pragmatismo, existe gente que continua a apostar na alteridade e na rebelião do pensamento. Mesmo que, no presente instante, a luminescência insubordinável dos vaga-lumes pareça eclipsada pelos clarões artificiais dos refletores midiáticos e pelo lusco-fusco entorpecente das multitelas.

"Devemos nos tornar vaga-lumes e, desse modo, formar novamente uma comunidade do desejo, uma comunidade de lampejos emitidos, de danças apesar de tudo, de pensamentos a transmitir", propôs Didi-Huberman. "Dizer 'sim' na noite atravessada de lampejos e não se contentar em descrever o 'não' da luz que nos ofusca."

Lira Neto
Jornalista, pesquisador e biógrafo, já ganhou quatro prêmios Jabuti por sua obra.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/lira-neto/2018/02/a-insurgencia-dos-vaga-lumes.shtml?loggedpaywall


sexta-feira, 2 de março de 2018

Museus ambulantes? Filipenses 3:13

“Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante,” (Filipenses‬ ‭3:13‬)

Quem vive de passado é museu. Não que o passado não seja importante. É. Mas é importante somente se estiver a serviço do nosso desenvolvimento humano. Se os fatos nele registrados servirem de avaliação e inspiração para avançarmos, certamente a lembrança será altamente recomendável.


O problema é quando o passado serve de freio à realização de projetos em favor do bem comum no presente e no futuro. Isso ocorre comumente quando glórias e erros vivenciados nos paralisam, quando nos tornamos escravos do que fizemos em detrimento do que desejamos ou precisamos ser no agora e no depois.

Há coisas alcançadas que precisam ser mantidas, mas isso enquanto elas não se tornarem obsoletas, estorvo à saúde individual e coletiva. Ter consciência do que nos falta - inclusive a própria dificuldade, como declarou Paulo, para rompermos com o passado - é essencial como alavanca para avançarmos. Para superá-las, só mesmo alimentando a predisposição em face do melhor que está diante de nós.