terça-feira, 31 de outubro de 2017

O Seminário "liberal" onde estudei

"Há sempre algum proveito quando o mestre não é de inteira confiança: o aprendiz precisa convencer-se a si mesmo sobre as verdades" (Soren Kierkgaard, em "As obras do amor")

Estudei em um seminário taxado pejorativamente de "liberal". Digo pejorativamente porque há um misto de desonestidade e pequenez intelectual em quem a ele aplica este termo. 

DESONESTIDADE, porque a intenção de quem usa o termo não visa construir pontes em busca do fortalecimento da unidade na diversidade. Antes, quem assim o taxa geralmente é um construtor de muros, amante da discriminação alheia, em busca de proteção  do próprio status quo, de sua zona de conforto, do incômodo de quem o contesta, da hegemonia do seu poder.

PEQUENEZ INTELECTUAL porque o termo liberal pode significar tanta coisa que, por paradoxal que possa parecer, até de conservador pode ser sinônimo. Por exemplo: o capitalista conservador é liberal, pois defende a manutenção do liberalismo nas relações de mercado. Para ele, conservar as relações de produção e consumo distantes do controle do Estado seria o melhor caminho à vida em sociedade. 

Outro exemplo: os batistas nasceram sob a bandeira da defesa da liberdade. Liberdade de crença, de pensamento, de opinião, de interpretação das Escrituras, de reunir-se, de organizar-se, de autogerir-se como igreja local, de cooperar com outras igrejas e não controlá-las, defendendo tudo isso bem distante das "garras" do Estado que controlava a Igreja Anglicana e as manifestações religiosas na Inglaterra do século XVII.  

Logo, ser um batista conservador deveria ser apegar-se e lutar para conservar essas raizes "liberais". Isso, entretanto, contraria  o agir daqueles que se autodenominam "conservadores", cuja praxis - teoria e prática - insiste em pretender uniformizar e controlar o pensamento coletivo, movido por uma visão político-empresarial diametralmente oposta aos exemplos de Jesus e que, sob pretexto de unificar forças visando fortalecimento denominacional e crescimento numérico, estão agindo como o Estado inglês agia com os insurgentes da igreja quando do nascimento do movimento batista.

O seminário "liberal" onde estudei era - e era aqui não significa juizo de valor sobre o que hoje é, mas minha percepção histórica dos tempos em que lá estudei - um espaço PLURAL. Embora autônomos e com senso crítico regido por razão, não por rancor, não percebia postura desafinante da parte dos professores com os quais estudei em relação à denominação mantenedora. Era visível o predominante conservadorismo em torno do respeito à liberdade de pensamento no corpo docente.

Essa pluralidade - que alguns equivocada, maldosa e pejorativamente classificam como "liberalismo" - foi decisiva no preparo de muitos líderes com postura de "servos não subservientes" que têm se destacado em todos os espaços  decisórios dentro e fora da denominação batista.

No seminário "liberal" onde estudei, éramos estimulados a ler diretamente o que pensavam os que pensavam a teologia, a missão, a eclesiologia, enfim, em vez de ficarmos restritos ao pensamento dos professores sobre o que pensavam os que pensavam esses assuntos. Os professores expunham seus pensamentos, tinham opinião própria, mas o espírito não era substituir a cabeça do aluno por suas cabeças, pois isso não seria educação desejável, mas lavagem cerebral. 

Ninguém é exclusivamente liberal ou conservador. A pessoa consciente de sí, do grupo com o qual caminha e dos grupos alternativos ao seu redor, reconhece que esses conceitos precisam ser continuamente entendidos, redefinidos, e se misturam em nós - trocadilho -, em maior ou menor grau, dependendo do assunto e do contexto. Apequena-se, portanto, quem usa a palavra "liberal" politico-teologicamente de forma pejorativa, visando desvalorizar, marginalizar ou destruir o outro, seja por ignorância ou má-fé.

Tornei-me um pastor e líder  conservador quanto aos princípios da tradição batista mais antiga por ter estudado em um seminário cujos professores foram competentes, honestos e tiveram autonomia para nos ensinar a estudar, em vez de programar nossas jovens mentes para tornar-nos meras mãos e mentes de obra manipuláveis por pessoas inescrupulosas que se aproveitam daqueles que cultivam boa-fé 

Qualificar o seminário onde estudei de "liberal" é um elogio, se entendido o significado amplo dessa palavra e seu vínculo com as mais remotas histórias dos batistas. Por outro lado, chamá-lo de "conservador", em termos populares, como usado por alguns político-ideólogos de religião, pode ser agressivo às histórias dos batistas, pois esses ideólogos, em vez de conservarem o espírito de liberdade, criam camisas-de-força, identificando-se com, repito, o Estado inglês do século XVII do qual nos libertamos, quando levantamos a bandeira da liberdade para nós e para todos.

Em resumo: no Seminário "liberal" onde estudei, fomos estimulados a considerar seriamente a veracidade das palavras de Jesus: "Eis que vos envio como ovelhas em meio a lobos, portanto, sejam simples como as pombas, mas prudentes como as serpentes". Ainda bem que estudei nesse Seminário "liberal" e aprendi bem essa lição!

1 comentários:

Unknown 31 de outubro de 2017 às 17:45  

O pastor Isaltino escreveu: "Sim, sou um liberal". Sabendo-se que ele estudou no Seminário do Sul, e lendo isto agora, a coisa se complica.
Eu vim de uma igreja de uma Missão Conservadora - norte dos EUA. Mas fui e sou chamado de liberal.
O que é ser liberal e ser conservador? Na verdade, cada um se considera ortodoxo e o outro, herege.
portanto, sou herege, liberal e conservador. Tudo junto e misturado.